Ventos de Solidão


 I
Ventos de solidão tocam a minha tela.
E eu, no meu barco, sigo sem rumo ao desconhecido.
Lutando contra a correnteza e contemplando a bela
Formosura de ter no coração a esperança do esquecido.

Eis que a ingenuidade tem a sua graça,
Pois acreditar por acreditar tem a sua praça.
E eu também posso pintar na minha tela a imagem,
A ingenuidade do rumar ao oceano, sonhada viagem.

Posso ainda sentir o som das águas tocando
O meu barco com a suavidade de uma calmaria
E já posso ver um pedaço de terra da qual vou atracando...
Tripulação de um homem só lança a âncora ao mar e ali descansaria.

Ventos de solidão tocam o meu porto seguro.
E eu, enfim, ponho o primeiro pé na terra prometida.
Não há sorrisos, nem tavernas abertas, tudo escuro.
Não há mulheres, nem crianças, terra esquecida.

II
Eis que as vorazes garras das areias da terra prometida
Devoram minhas peles enruguecendo-as sutilmente.
Devoram o meu vigor, a lembrança há tanto esquecida.
Do jovial sonhador e pescador de sonhos há tanto ardente.


Em minha tela ficam registradas imensidade
Da terra, céu, mar e ar e a carência por cumplicidade
E ficam também registradas a ode à vida
Ao prazer de viver há tanto desmedida.

Ventos de solidão tocam os sentidos há tanto perdidos,
Pois pela escuridão caminhei sem que haja luz
Suportei os ventos frios das ilusões de estarem encardidos
Os panos dos quais vesti com o glamour de uma cruz.

Ainda tive tempo de olhar para o céu e ver
Estrelas cintilantes e sinceras a se perceber
Que o meu porto seguro, minha alma azul escura
Ainda cintilavam a alegria de amar o Maior, a verdade pura.

III
Ventos de solidão movem a pétala da flor
Nos campos Elísios do paraíso gentil.
Do qual não há mágoa, tristeza, pecado e dor
Poucos vão, poucos ficam e ali passam pelo funil.

Pois na terra prometida muitos são os escolhidos,
Mas poucos por fim são realmente chamados,
Pois vossos fôlegos pouca vida tem, caros amados,
Pois vossa solidão em nada tem força aos esquecidos.

Tudo cuidadosamente vou a pintar em minha tela
Minha tinta viva de olhar metódico e minucioso
Vai deslizando firme no branco dando a cor da aquarela
A ode da vida eterna ao prazer de amar o delicioso.

Eis o único lugar ao qual sonhei em vida encontrar
Onde o silêncio é sinfonia, é ópera viva a se escutar
E escuridão neste lado do porto seguro não há!
E é mais! É música!É vida!É nota! É luz do dia! É o Mar!

IV
Ventos de solidão tocam-me e empurram-me de volta a realidade
O porto seguro ali escuro e abandonado, enfim, está.
A beleza viva que presenciei aqui e comigo já não há,
Mas em minha tela imortalizada e para sempre ficará.

Tomo o meu barco e ao oceano do mundo para longe eu vou
Carrego comigo o prazer de simplesmente saber quem eu sou
De ter vivido o tempo que me foi permitido,
Pois o coração vivo está e não mais partido.

Ventos de solidão empurram-me para o horizonte
Não há mais terra, relevo vivo ou montanha ou monte.
A calmaria em nada mais há para usufruir
E a tempestade mais uma vez vou eu me permitir.

Com a coragem de quem viu a terra prometida
Com a promessa de quem a deixou no meu peito sentida
Vou eu lutar para aqui sobreviver
Para honrar a vida, o amor e crescer.

 

Thiago Guimarães de Pina


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